segunda-feira, 15 de março de 2010

VI - A resposta do Cristianismo e como ele se sobrepôs à filosofia grega – O domínio do Cristianismo até Descartes, século XVII

É importante compreender porque o cristianismo suplantou durante tanto tempo a filosofia. O cristianismo se aproveita das lacunas da filosofia estóica acerca da salvação e a subverte inteiramente. A razão no cristianismo ocupa um lugar subalterno e modesto. É pela fé que se é salvo. Houve um confronto sério entre cristianismo e estoicismo. De toda forma o cristianismo trouxe também inovações, pois aqui a honra do homem se mede pelo uso que dá a seus talentos e não por seus dons naturais em si.

No cristianismo o divino deixa de ser o cosmos e encarna uma pessoa, o Cristo. A razão é limitada pela fé. Somos salvos por uma pessoa e como pessoa. A personalização da salvação é uma idéia muito tentadora. O homem, pessoa, ganha importância em relação à antiga “natureza harmônica e boa”. “Logos” é tomado dos estóicos e se torna “Verbo”. Era absurdo para os estóicos compreender que o “logos”, a ordem universal harmônica e justa, o todo, encarnasse numa pessoa. Houve uma total subversão à definição de divino.

A fé ocupa o lugar da razão e se opõe a ela. Não é a inteligência que importa, mas a fé. Contempla-se o divino pela fé, e não pela razão, pelo uso das ciências. Não se trata de pensar por si mesmo, mas de ter fé num outro. Deve-se ter humildade, ter fé e não questionar, ao passo que são “soberbos” os que questionam com seus raciocínios. A “teoria” aqui não é conhecer o mundo, mas ser humilde para crer. A filosofia, segundo o cristianismo, é por natureza orgulhosa, porque não abandona a inteligência nem a razão em favor da confiança e da fé.

Há uma dupla humildade no cristianismo: A do Deus que se fez homem e mortal; e a do homem, que precisa abandonar sua razão em favor da fé. O cristianismo, nesse sentido, também afronta os judeus, que não admitem um Deus fraco que se deixa crucificar.

É exatamente a fraqueza desse Deus que o faz porta voz dos fracos e oprimidos, que o torna tão notório e simpático a tantos.

Tema recorrente do cristianismo para opor-se à filosofia: humildade cristã x arrogância dos filósofos.

A razão deve ser submissa à fé e servir à religião. Tudo de essencial é resolvido pela fé. Só as questões secundárias são deixadas para a razão. A maior tarefa da razão no cristianismo será interpretar os textos do evangelho, escritos em parábolas ou em sentido figurado, mas nunca questioná-los. Mais tarde tenta-se usar a razão para provar a existência de Deus (São Tomás, século XIII): “Se o universo é perfeito, e aqui concordam com os estóicos, alguém deve tê-lo criado”.

A filosofia se torna então uma disciplina escolar (escolástica) e não uma disciplina de vida, que pudesse dar respostas. A filosofia se tornou um estudo das idéias, ao invés de um aprendizado da sabedoria. Não se praticam mais os exercícios de sabedoria.

LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE – o nascimento da idéia moderna de humanidade.

O cristianismo, no plano moral, apresenta alguns avanços em relação aos gregos. Uma delas a igualdade entre os homens, ao passo que para os gregos, cuja sociedade era baseada na escravidão, os melhores por natureza deveriam estar “acima”.

A sociedade grega era hierarquizada e aristocrática. A natureza obviamente dota os seres de maneira desigual, mesmo entre os homens, alguns são fortes, belos, saudáveis, outros não. E tendo a natureza como exemplo de conduta era conseqüente que os gregos entendessem como natural a hierarquia e a desigualdade. A uns era dado mandar e a outros obedecer.

Já para os cristãos o importante é o uso que se faz das qualidades recebidas e não as qualidades em si. Moral ou imoral é a liberdade de escolha, o livre arbítrio do homem que determina o uso dos talentos naturais. Saímos portanto da aristocracia para entrar na meritocracia, do mundo natural das desigualdades para o mundo artificial da igualdade, feito pelo homem. Mais tarde as filosofias modernas vão adotar esta fórmula.

De fato. As qualidades naturais podem ser usadas tanto para o bem quanto para o mal, portanto a virtude está no uso que se faz das qualidades e não nas qualidades em si. Essa idéia de igualdade do cristianismo é a base da Declaração dos Direitos do Homem, de 1789 e está na origem da democracia moderna.

Na questão da salvação, o cristianismo não hesita em nos prometer a salvação pessoal, a imortalidade. Como resistir?

Tratando-se de uma salvação pessoal, o cristianismo estabelece uma relação pessoal entre o divino e cada homem, propagando o amor de Deus por cada um de nos, amor este que é maior que a morte. Ao contrário dos estóicos cuja relação com o divino se dava de modo geral com o todo e nunca particular.

O cristianismo, assim como a filosofia e outras doutrinas, também prega o não apego a seres finitos e mortais, mas prega o amor ao próximo em Deus e assim promete a ressurreição.

A imortalidade da alma, a ressurreição do corpo e salvação pelo amor em Deus, esta é a estrutura da doutrina crista. No cristianismo, a própria morte é vencida e não só os medos que ela provoca.

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