terça-feira, 27 de abril de 2010

XI - As perguntas e o engano comum da filosofia e da religião

Certo dia estava numa calçada movimentada de Belo Horizonte, parado, distraído, aguardando um amigo. Eu era a vítima perfeita para um predador comum em todo grande centro urbano - o terrível evangelizador, o cara que quer te apresentar Jesus e assim salvar a própria alma. Sorrateiro como um felino ele se aproximou sem que o percebesse e quando notei já era tarde, já não tinha como fugir, era lutar ou perecer. De bíblia em punho ele atacou: "Quer saber as respostas?". Esquivei-me: "Mas companheiro, eu não sei nem as perguntas, como posso querer saber as respostas?" Foi uma senhora esquiva. Meu amigo chegou, pedi licença e entrei no carro dele. O predador saiu em busca de outra presa.

A abordagem desse crente faz sentido. Todos conhecemos as perguntas. Todos nos fizemos as peguntas em alguma fase da vida: de onde venho; o que será de mim quando morrer; qual o sentido da vida; e todas as outras derivações possíveis.

Um cachorro não se pergunta isso, nem mesmo um chimpanzé ou um golfinho - os mais inteligentes depois de nós. A consciência de nossa individualidade e a certeza da morte foi o que nos levou a tais indagações. É preciso um cérebro complexo para fazer tais perguntas, mas não basta apenas um cérebro complexo para respondê-las, embora se possa com tal capacidade elocubrar boas (e más) teorias a respeito.

As respostas da religião nós já sabemos. A fé em detrimento da razão nos fornece respostas simples e boas, boas demais para ser verdade - taí o seu sucesso. As respostas da filosofia são fruto da razão, mas de uma razão desprovida de experimentos e limitada pela ausência do conhecimento científico, até então. O sujeito mais inteligente do mundo não pode responder uma questão simples formulada num idioma que ele não conhece. Assim é o filósofo sem a ciência.

Não é possível responder a qualquer das questões existenciais sem compreender o nosso passado e sem nos situar em nosso devido lugar no mundo. A filosofia até Nietzsche e a religião se equivocaram redondamente sobre o nosso devido lugar no mundo. Aliás, não há nada mais fácil que se equivocar quando se tece conceitos sobre si mesmo.

X - E então, o que há?

É claro que se fez muita coisa na filosofia depois de Nietzsche. Mas para minhas pretensões basta vir até aqui. O importante é notar como a humanidade tentou explicar o mundo e lidar com sua finitude, encontrar sentido para a vida.

Primeiro substituiu divindades pelo cosmos, retornou para as divindades, voltou-se para si e depois disse que estava tudo errado, que era só a vida e todo o resto só servia para negá-la e impedir o homem de vivê-la.

O fato é que neste início de século XXI o homem já tem conhecimento suficiente - conhecimento adquirido por evidências científicas - para dar respostas a muitas perguntas, na verdade a quase todas elas. Mas as respostas que ainda não temos não comprometem as que temos nem nos empurram, como em outras épocas, a nos abster da razão em prol da fé cega, seja em divindades, no cosmos ou no precário cientificismo.

A teoria da evolução pela seleção natural de Charles Darwin ganhou evidências extraordinárias desde sua concepção, não só por descobertas de fósseis, como se pode presumir apressadamente, mas principalmente pelo conhecimento adquirido em biologia e genética. Cientistas como Richard Dawkins e Helen Fisher, apenas para citar meus dois preferidos, estudaram o comportamento humano, o funcionamento do seu cérebro, o DNA dos seres vivos, exploraram em todos os ramos do conhecimento as evidências da evolução. As obras desses cientistas contemporâneos, que muito se preocupam em levar os avanços da ciência ao público comum, confirmaram Darwin de tantas formas diferentes que surpreenderia até o próprio, que, por exemplo, nunca soube o que era um gene e pouco ou nada sabia de embriologia, datação por radioatividade e outras tantas coisas posteriores a seu tempo.

Penso que a evolução (que não pode mais ser chamada de teoria, já que é um fato) pela seleção natural e sexual explica quase todas as questões levantadas pela filosofia e pela religião, explica até o porque da religião e da filosofia, enfim, explica porque tememos a morte e nos ensina o que é a morte e o que é a vida e assim nos livra do medo da morte. Explica nossas maiores virtudes e defeitos, e também os pequenos que se situam entre eles.

Quero dividir e expor à crítica conclusões próprias que foram amadurecidas, e certamente ainda serão mais, pela análise global de tudo que pude conhecer dos filósofos e cientistas que me antecederam e me são contemporâneos.