segunda-feira, 1 de abril de 2013

XIV - O paradoxo ginecológico

O crescimento do cérebro provocou, por consequência, o cresicmento do crâneo. Essa foi uma mutação genética bastante vantajosa para nós e nos colocou no topo da cadeia alimentar (quando Lucy poderia imaginar uma coisa dessas?).

Mas também trouxe problemas. Quanto maior a cabeça, mais difícil o parto. Afinal o pimpolho tem que passar pelo canal vaginal e pelos ossos da bacia da mãe. A solução para este problema é que o filhote humano teve que nascer um pouco antes de seu amadurecimento completo, de modo que a cabeça ainda passasse pelas vias ginecológicas.

Reparem que o filhote humano é o mais indefeso, mesmo se comparados com outros mamíferos. Um cavalo ou uma gazela saem andando nos primeiros minutos de nascimento. Um macaco recém nascido se agarra às costas da mãe de tal modo que ela pode escalar uma árvores sem ter medo dele cair.

Um ser humano recém nascido não consegue sequer virar-se numa cama. Só andará depois de muitos meses de vida e sua interação social com o grupo, de forma plena, demora anos - entre 5 e 7.

A consequência disso é que o bebê humano precisa ser carregado pela mãe. Agora imagine nossos ancestrais (tal como Lucy), vagando pelas savanas africanas, sendo que os filhotes tinham que ser carregados pelas mães. Duas pernas para andar, um braço para segurar o filho e apenas um outro livre, pra colher uma fruta ou espantar os mosquitos. A chance de uma fêmea sozinha sobreviver nessas condições, conseguindo manter-se a salvo e ainda obter alimento para si e a cria, é nula. O único jeito de sobreviver é tendo ajuda. Do grupo e do pai. A formação de casais, ainda que temporariamente em torno da cria, remonta à nossa pré-história.

O índice de mortalidade naquela época era um escândalo se comparado com os atuais. Sobreviveram os filhores de mãe e pai cuidadosos, e que fossem inseridos socialmente no grupo. Portanto, os machos que tinham a capacidade de se apegar aos filhotes e melhor capacidade de relacionamento com outros integrantes do grupo, foram os que passaram seus genes adiante. E certamente eram os escolhidos pelas fêmeas, ainda que inconscientemente, para gerar suas crias. Isso gerou um ciclo virtuoso de modo que os mais socialmente adaptáveis e mais chegados nas crias foram os que sobreviveram, garantiram a sobrevivência de seus filhotes, de modo que passaram tais características aos seus descendentes e assim por diante.

Essas duas características foram essenciais para a nossa sobrevivência e nosso sucesso absoluto como espécie: apego (de pai e mãe) aos filhotes; capacidade social.

A conclusão é que o amor que os pais tem pelos filhos é resultado de nossa evolução. Também é resultado de nossa evolução nossa extrema capacidade de socialização, que envolve empatia, solidariedade e todos os sentimentos bons e despretenciosos que temos em relação aos nossos semelhantes. Nosso cérebro evoluiu de modo a criar um sistema de recompensa quando agimos de forma a fortalecer os laços sociais. É por isso que nos sentimos bem quando ajudamos alguém mesmo sem nada ganhar com isso. Esse sentimento foi essencial à sobrevivência de nossos ancestrais.

Afastem-se das explicações metafísicas. Todo sentimento bom que você ou qualquer ser humano nutre é resultado e causa de uma evolução muito bem sucedida.

quinta-feira, 14 de março de 2013

XIII - LUCY

Lucy é um fóssil de 3,2 milhões de anos descoberto na Etiópia em 1974. O fóssil foi chamado de Lucy porque tocava a música dos Beatles "Lucy in the Sky with Diamonds" quando foi encontrado. E, claro, porque foi identificado posteriormente como sendo uma fêmea.

Lucy, quando ainda vivia, media 1,10 m e pesava cerca de 29 kg. Certamente tinha o corpo coberto de pelos e era bem parecida com um chimpanzé atual. Mas analisando os ossos do quadril (os mesmos que determinaram seu sexo), ossos das pernas, as vértebras lombares e proporção do comprimento dos braços em relação ao corpo, foi possível concluir com segurança que Lucy caminhava ereta, de pé como nós. Se Lucy é um ancestral direto ou apenas divide conosco um ancestral comum, não é possível saber. Mas era um hominídeo, mais próximo de nós que qualquer macaco atual. E em algum ponto de nossa própria evolução, se não somos descendentes diretos de Lucy, fomos muito parecidos com ela.

Um detalhe curioso. Alguém sugeriu que os Beatles fizeram essa música em apologia ao LSD (droga bastante popular nos anos 70), o que se nota pelas iniciais de "Lucy in the Sky with Diamonds". A letra da música reforça essa versão. Bem mas isso não vem ao caso.

Lucy era uma mulher da pre-história e naquele tempo a vida era nada fácil. Comida era coisa difícil, abrigo também, e ainda tinham os predadores. E Lucy andava a pé pelo meio da África com apenas 1,10 m e 29 kg. A única forma de um ser vivo de tais proporções sobreviver é se agrupando, vivendo em bandos cujos indivíduos acabam por constituir famílias.

Em anos mais modernos que aqueles em que Lucy viveu os nossos ancestrais passaram a consumir uma dieta rica em proteínas e calorias. Provavelmente tutano de ossos de animais mortos por outros predadores, que conseguiam quebrar usando uma ferramenta bem rudimentar, uma pedra por exemplo - esta é uma das teorias mais aceitas para o que vou agora acrescentar. Pois bem, com tal dieta, os homens ancestrais começaram, gradativamente como no exemplo da foto cuja diferença não se percebe de um dia para o outro, a aumentar o tamanho de seu cérebro.

Aqui vale um parêntese. Você pode me perguntar por que com uma dieta mais rica o cérebro aumentou de tamanho, por que não foi o nariz, por exemplo? Claro que sofremos muitas mudanças gradativas, de toda ordem. Mas só aquelas úteis à melhor adaptação é que se mantiveram. As menos úteis foram descartadas pelo processo de seleção natural, que se vale, como veremos, da seleção sexual.

O fato é que o cérebro humano cresceu ao longo da evolução, o que é provado pela descoberta de fósseis com crâneos gradativamente maiores ao longo do tempo. E isso vai ser tão importante quanto o próprio desenvolvimento da capacidade cerebral.

Mas vamos dar um minuto à Lucy, essa mulher que andou no planeta a 3,2 milhões de anos e nos ensinou tanto. Na próxima postagem vou tentar demonstrar as grandes transformações geradas pelo fato de eu e você termos esse cabeção enorme. E não se preocupe que não me esqueci das grandes questões que nos aflige, como a morte, a vida, a salvação, o amor e o Clube Atlético Mineiro!

quarta-feira, 13 de março de 2013

XII - Começando a responder

Fiquei muito tempo sem escrever neste blog, numa mistura de preguiça e maturação de idéias, mais daquela, menos desta.

Enfim estou convencido que as respostas às grandes questões humanas passam pelo pensamento e pela ciência, como expus antes. Sou avesso à crença no sobrenatural. O sobrenatural, para mim, é o que não podemos ainda explicar, ainda. Houve um tempo em que o ser humano não explicava nem a chuva, e dançava aos deuses para que chovesse. Hoje já sabemos porque chove e com até algum sucesso, podemos prever a chuva com alguns dias de antecedência. Não é magia, como se achava antes, é só ciência.

No século XX, principalmente na segunda metade, e nesse início de século XXI, com o amadurecimento de idéias e do que antes eram apenas teorias, creio que chegamos bem perto de todas as respostas - de minha parte, estou quase satisfeito. Eu destaco Richard Dawkins e Helen Fisher, dentre outros, que ajudaram a solidificar as idéias antes expostas por Darwin. De fato a evolução deixou de ser mera teoria e é aceito como fato científico. Dawkins levou a evolução ao patamar dos genes e Helen Fisher à neurociência. Não foram os únicos, mas conseguiram com suas obras alcançar o grande público ("O Gene Egoísta", "Deus - Um Delírio", "O Maior Espetáculo da Terra", de Dawkins, e "Porque Amamos", de Helen Fisher). Recomendo esses livros, que são facilmente encontrados.

Primeiro é interessante entender a Evolução, cuja teoria inicial foi cunhada por Charles Darwin. O que costumamos ouvir é que Darwin disse que nós evoluímos do macaco. Isto não é verdade. O que ele disse de verdade é que nós e os macacos temos um ancestral comum, que em algum momento da evolução, por razões aleatórias, gerou espécies diferentes.

Pra entender a evolução como formulada por Darwin quero recorrer a um exemplo. Imagine um homem de 70 anos de idade. Imagine que desde o nascimento deste homem foi tirada uma fotografia diária de seu rosto. Se olhássemos as fotos em sequência, da primeira a última, não conseguiríamos distinguir diferença alguma em seu rosto numa foto e na foto do dia seguinte. Mas seria muito difícil identificar como a mesma pessoa aqueles rostos da fotografia no primeiro dia de vida e aquela outra no septuagésimo aniversário.

A mesma coisa é a evolução. Imagine um coelho fêmea. Imagine a mãe dele, e a mãe dele, e mãe dele. Um coelho é tão parecido com sua mãe que por vezes é dificil distinguir um do outro, mas se retrocedêssemos por milhares de gerações uma a uma, ou milhões, chegaríamos a um ancestral que dificilmente identificaríamos como coelho. Embora não conseguíssemos perceber a diferença de uma geração para a imediatamente anterior. E mais, esse ancestral deve ter dado origem a outros animais que por aqui andam e são apenas muito remotamente parecidos com um coelho, como um rato ou uma capivara. Esse exemplo dá bem a idéia da lentidão da evolução se tomarmos por base nosso tempo de vida ou a contagem dos dias e anos.

Qual a importância disso para a resposta das grandes questões que nos aflige? Toda importância, como tentarei demonstrar nas próximas postagens, meus fiéis quatro seguidores!

terça-feira, 27 de abril de 2010

XI - As perguntas e o engano comum da filosofia e da religião

Certo dia estava numa calçada movimentada de Belo Horizonte, parado, distraído, aguardando um amigo. Eu era a vítima perfeita para um predador comum em todo grande centro urbano - o terrível evangelizador, o cara que quer te apresentar Jesus e assim salvar a própria alma. Sorrateiro como um felino ele se aproximou sem que o percebesse e quando notei já era tarde, já não tinha como fugir, era lutar ou perecer. De bíblia em punho ele atacou: "Quer saber as respostas?". Esquivei-me: "Mas companheiro, eu não sei nem as perguntas, como posso querer saber as respostas?" Foi uma senhora esquiva. Meu amigo chegou, pedi licença e entrei no carro dele. O predador saiu em busca de outra presa.

A abordagem desse crente faz sentido. Todos conhecemos as perguntas. Todos nos fizemos as peguntas em alguma fase da vida: de onde venho; o que será de mim quando morrer; qual o sentido da vida; e todas as outras derivações possíveis.

Um cachorro não se pergunta isso, nem mesmo um chimpanzé ou um golfinho - os mais inteligentes depois de nós. A consciência de nossa individualidade e a certeza da morte foi o que nos levou a tais indagações. É preciso um cérebro complexo para fazer tais perguntas, mas não basta apenas um cérebro complexo para respondê-las, embora se possa com tal capacidade elocubrar boas (e más) teorias a respeito.

As respostas da religião nós já sabemos. A fé em detrimento da razão nos fornece respostas simples e boas, boas demais para ser verdade - taí o seu sucesso. As respostas da filosofia são fruto da razão, mas de uma razão desprovida de experimentos e limitada pela ausência do conhecimento científico, até então. O sujeito mais inteligente do mundo não pode responder uma questão simples formulada num idioma que ele não conhece. Assim é o filósofo sem a ciência.

Não é possível responder a qualquer das questões existenciais sem compreender o nosso passado e sem nos situar em nosso devido lugar no mundo. A filosofia até Nietzsche e a religião se equivocaram redondamente sobre o nosso devido lugar no mundo. Aliás, não há nada mais fácil que se equivocar quando se tece conceitos sobre si mesmo.

X - E então, o que há?

É claro que se fez muita coisa na filosofia depois de Nietzsche. Mas para minhas pretensões basta vir até aqui. O importante é notar como a humanidade tentou explicar o mundo e lidar com sua finitude, encontrar sentido para a vida.

Primeiro substituiu divindades pelo cosmos, retornou para as divindades, voltou-se para si e depois disse que estava tudo errado, que era só a vida e todo o resto só servia para negá-la e impedir o homem de vivê-la.

O fato é que neste início de século XXI o homem já tem conhecimento suficiente - conhecimento adquirido por evidências científicas - para dar respostas a muitas perguntas, na verdade a quase todas elas. Mas as respostas que ainda não temos não comprometem as que temos nem nos empurram, como em outras épocas, a nos abster da razão em prol da fé cega, seja em divindades, no cosmos ou no precário cientificismo.

A teoria da evolução pela seleção natural de Charles Darwin ganhou evidências extraordinárias desde sua concepção, não só por descobertas de fósseis, como se pode presumir apressadamente, mas principalmente pelo conhecimento adquirido em biologia e genética. Cientistas como Richard Dawkins e Helen Fisher, apenas para citar meus dois preferidos, estudaram o comportamento humano, o funcionamento do seu cérebro, o DNA dos seres vivos, exploraram em todos os ramos do conhecimento as evidências da evolução. As obras desses cientistas contemporâneos, que muito se preocupam em levar os avanços da ciência ao público comum, confirmaram Darwin de tantas formas diferentes que surpreenderia até o próprio, que, por exemplo, nunca soube o que era um gene e pouco ou nada sabia de embriologia, datação por radioatividade e outras tantas coisas posteriores a seu tempo.

Penso que a evolução (que não pode mais ser chamada de teoria, já que é um fato) pela seleção natural e sexual explica quase todas as questões levantadas pela filosofia e pela religião, explica até o porque da religião e da filosofia, enfim, explica porque tememos a morte e nos ensina o que é a morte e o que é a vida e assim nos livra do medo da morte. Explica nossas maiores virtudes e defeitos, e também os pequenos que se situam entre eles.

Quero dividir e expor à crítica conclusões próprias que foram amadurecidas, e certamente ainda serão mais, pela análise global de tudo que pude conhecer dos filósofos e cientistas que me antecederam e me são contemporâneos.

terça-feira, 30 de março de 2010

IX - Pós modernidade - Nietzsche

Pós modernas são as idéias que a partir do século XIX passaram a criticar o humanismo moderno. Ela será crítica do humanismo e do racionalismo. Nietzsche é seu principal expoente. Heidegger chamou isso de desconstrução.

Nietzsche entende que as ideologias humanistas e mesmo a noção de humanidade dos modernos são ídolos, elevados a uma superioridade artificial, como as crenças religiosas, e nesse ponto não se diferenciam muito. Assim, as mesmas críticas feitas pelos modernos ao cosmos e às religiões também se aplicam a eles próprios. Para os pós modernos a democracia é uma nova ilusão religiosa, entre outras, porque utópica, como de resto são os ideais humanistas. Nietzsche acreditava que a democracia reduzia à mediocridade a humanidade. Para ele, todos os ideais, de direita ou de esquerda, progressistas ou conservadores, religiosos ou não, possuem a mesma estrutura, uma estrutura teológica, já que se trata de inventar algo melhor que a realidade, providos de valores pretensamente superiores e exteriores à vida, portanto, transcendentes.

Nietzsche acreditava que tais invenções eram sempre motivadas por más intenções. Seu objetivo é negar a vida real, tal como é em nome de falsas realidades. É uma negação do real que ele chama de "niilismo". Para Nietzsche não há transcendência e tudo é imanente à vida. Todos os ídolos e crenças só servem para nos afastar da vida. É uma crítica dura aos modernos, muito arraigados às utopias.

O espírito crítico inventado pelos modernos acabou se voltando contra eles. Os pós modernos, filósofos da suspeita, não gostam do consenso, desconfiam das fórmulas prontas, buscam sempre os preconceitos e intenções dissimuladas atrás das primeiras evidências. Nietzsche zombou de toda e qualquer espiritualidade e decretou a morte de Deus. O fundamento de sua filosofia é que não há nada exterior ou superior à vida, nada que escape da mais íntima essência do ser. Materialista, rejeita todos os ideais.

Também sobre a essência íntima do ser, Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, vai no mesmo sentido, apontando que a essência de cada ser se limita a sua existência material e ao que ele é por percepção dos sentidos, recusando a espiritualidade ou a transcendência além de tal conceito.

Desse modo, ninguém pode emitir um juízo de valor desinteressado porque este não pode se abstrair da vida para fazê-lo. Todos os nossos enunciados e sentenças são expressões de nossos estados vitais. Toda idéia não é senão um reflexo do fato de estarmos vivos, daí porque é absurdo entender uma ideologia maior que a vida ou que o homem que a concebeu.

Portanto não existem fatos, mas interpretações, já que o observador não pode escapar ou transcender a vida. Daí a verdade é intangível, inascessível e talvez inexistente.

Nietzsche pensa o mundo quase de modo oposto aos estóicos. O mundo não tem unidade, é uma vastidão de forças infinitas e caóticas. Para ele, mesmo as leis dos modernos que buscam estabelecer alguma ordem ao mundo não são possíveis. Não há ordem e não há consolo, todas as tentativas de explicar o mundo refletem a busca inútil de tornar realidade nossos desejos.

Como se vê, Nietzsche desconstruiu tudo que se tinha feito, contudo, mesmo pra desconstruir teve de partir de algo que foi construído antes. E desconstruindo, acabou construindo outro pensamento. Acredito que ele acertou em algumas coisas, passou perto em outras e errou feio em alguns casos.

Com as idéias pós modernas quero encerrar este pequeno resumo do pensamento e a partir do próximo capítulo expor meu próprio pensamento.

terça-feira, 16 de março de 2010

VIII - PENSO, LOGO EXISTO

Este é o famoso “cogito”. E é muito mais interessante do que pode parecer à primeira vista. Descartes inaugurou o humanismo moderno com esta sentença, ou seja, o princípio da filosofia passa a ser o homem. Descartes inventou este princípio antes que Rosseau e Kant o tenham explicitado.

“Discurso do Método” (1637) e “Meditações Metafísicas” (1641) foram as obras em que ele expôs sua ficção filosófica, onde tudo se questiona, até a existência de objetos concretos exteriores a ele, aventando a hipótese de estar enganado, por exemplo, quanto a estar sentado numa cadeira escrevendo à mesa. Descartes adota uma postura de ceticismo total em que duvida de tudo.

Exceto que, afinal, existe uma certeza que ainda resiste. Se penso, ou mesmo se duvido, devo ser algo que existe. Mesmo que todos os pensamentos estejam errados, ao menos um está certo, pois até para delirar é necessário existir. Penso, logo existo.

Decorreram daí três idéias fundamentais que ocorreram a primeira vez na história do pensamento e que inaugura a filosófica moderna.

Primeira, o critério subjetivo da verdade. É verdade aquilo que o sujeito tem certeza, acima do que está objetivamente demonstrado.

Segunda, “tabula rasa” das idéias do passado. O sujeito é soberano para reformular todas as idéias e rejeitar as regras transmitidas pelos antigos. “Nossa história não é nosso código”, nada nos obriga a respeitar as tradições. Podemos fazer tudo diferente. Para Descartes, não convém dar crédito “se não àquilo de que podemos estar absolutamente certos por nós mesmos”.

Terceira, “é preciso rejeitar todos os argumentos de autoridade”, ou seja, as regras impostas de fora como verdades absolutas por instituições dotadas de poderes que não se pode discutir.

Mas como fica a idéia de salvação numa filosofia que tem o homem como centro, uma vez que este é sabidamente mortal.

A melhor resposta encontrada à época estava nas ideologias e na ciência. Ambos pregavam o ateísmo radical e se agarravam a ideais capazes de dar sentido à vida ou justificar que se morresse por eles.

Os ideais eram sagrados e imortais, daí a velha máxima “morre o homem, mas seus ideais nunca morrem”, o que dá bem a idéia de salvação. Através da ciência, sempre que algum cientista fazia uma descoberta ou inventava um aparelho, sempre que um explorador chegava a novas terras, inscreviam seu nome na eternidade da grande história e assim justificavam toda a existência.

É óbvio que todos esses “ismos” (nacionalismo, patriotismo, cientificismo...) não satisfazem a questão da salvação, pois ainda que os ideais sejam maiores que o próprio indivíduo este sempre perece. Ainda que a humanidade como um todo seja maior que o próprio indivíduo, ela não transcende a ele.

Mas foi o melhor que se pôde fazer à época, sem Deus e sem o cosmos.